segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Entrevista de Renato Aragão a Fiesta em 1979



RENATO ARAGÃO, O GLORIOSO TRAPALHÃO






Renato Aragão, o mais bem sucedido e popular cômico da televisão brasileira conversou com a nossa repórter Anne Raquel, no Rio. Mostramos à vocês nesta entrevista, como ele saiu de Fortaleza, no Ceará, para ser o ídolo das crianças e dono de um sucesso que já começa a ultrapassar nossas fronteiras.







Texto: Anne Raquel

Fotos: Mário Barata



Fiesta: Renato, como você começou sua carreira?



Renato: Comecei em Fortaleza. Era advogado do Banco do Brasil, mas já estou recuperado. Na verdade, sempre quis trabalhar em TV, conhecer televisão e quando a TV Ceará foi inaugurada, tive a oportunidade. Escondido dos colegas do Banco, comecei a trabalhar como redator e produtor, e deu certo. Talvez, porque a maioria das pessoas que trabalham em TV, na época, era gente de rádio, com os vícios do rádio. Como nunca me interessei pelo rádio, tinha, então, essa vantagem. Via a televisão como imagem, sentia a importância primordial do visual na TV. Agora, foi uma barra, em 1960, em Fortaleza, a pessoa que era artista ou era marginal ou era bicha.



Fiesta: Que tipo de trabalho você fazia?



Renato: Eu dirigia, escrevia e era ator de uma comédia, que tinha uma hora de duração. Nós não tínhamos recurso técnico algum e nosso trabalho era feito com alguma dificuldade. Eu mudava de roupa de cinco em cinco minutos e voltava correndo. Hoje, as coisas são diferentes. O vídeo-taipe, a técnica mudou tudo, embora as coisas antes fossem melhores em termos de calor humano, e de calor regional. Antes, cada capital produzia os seus programas, tinha os seus artistas, e o vídeo-taipe veio acabar com tudo isso.






Fiesta: De maneira como você fala, parece que você é contra o vídeo-taipe?



Renato: É verdade. O vídeo-taipe acabou, destruiu com os valores regionais, que não têm mais oportunidade de aparecer. Não sei, de certa forma o vídeo-taipe unifica os valores reais, o que não é muito bom. Mas, o certo é que o último comediante que surgiu foi eu e isso não significa que não houvesse gente boa em outras emissoras, apenas eles não tiveram oportunidade de aparecer.



Fiesta: Você sofreu influência de alguém?



Renato: Desde pequeno assistia e gostava muito de Chaplin e Oscarito. Eles influenciaram muito o meu trabalho.



Fiesta: Quando você veio para o Rio?



Renato: Fiquei dois anos e meio na TV Ceará, depois vim para a Tupi do Rio. Cheguei naquela de pesquisar e descansar. Mas, o meu trabalho não foi feito, logo. A minha adaptação na Tupi foi muito difícil, porque as pessoas, ainda, influenciadas pelo rádio, não entendiam o meu trabalho. Por causa disso fiquei marginalizado uns três meses. Até que resolve fingir aceitar o que eles queriam e parti prá outra. Fui para a Excelsior e fiz OS ADORÁVEIS TRAPALHÕES.



Fiesta: Os Adoráveis Trapalhões foi a primeira série brasileira, não?



Renato: Não, já na TV Ceará eu fazia uma série. A tal comédia de uma hora.



Fiesta: Tá, na Excelsior você fez Os Trapalhões e aí?



Renato: Da Excelsior fui para a Record e fiz o mesmo programa com o título de OS INSOCIÁVEIS. De lá, voltei para a Tupi outra vez, já com o Dedé e Mussum. Na Record foi quando voltei a escrever, produzir e ao mesmo tempo, ser ator. Foram dois anos e meio, onde aprendi muito. Foi importante, até porque descobri que, saindo de uma emissora para outra, você se renova. De volta à Tupi, fazia quadros humorísticos variados e já estava para sair de lá outra vez, quando resolvemos inovar completamente o programa introduzindo quadros musicados e entrevistas. Aí, a Globo nos contratou. Isso faz três anos e o ano que vem faz 10 anos que o público aguenta OS TRAPALHÕES. Engraçado, antigamente, era pecado assistir aos Trapalhões. As pessoas de um certo nível não tinham coragem de admitir que assistiam ao programa, e quando o fazia, diziam que tinham assistido um pedacinho do quarto da empregada. Foi quando a Tupi resolveu colocar o programa no domingo. Fiquei revoltado e fui pro Ceará P... da  vida. Fiquei lá e elevei um susto, quando soube que nós tínhamos ganho do Fantástico no IBOPE. No segundo programa perdemos, mas, logo depois, ganhávamos de cabo a rabo.



Fiesta: Qual o seu tipo de público?



Renato: Criança, Zé Povão e estrangeiro. Agora, Os Trapalhões é dirigido à criança. Mas, como o adulto á está assistindo, estamos fazendo uns uadros para ele.



Fiesta: No momento, só você faz humor para criança, não é?



Renato: É verdade. Tanto que estamos pensando em exportar o nosso trabalho. Não existem mais OS TRÊS PATETAS, Jerry Lewis, Chaplin e o próprio Disney, depois de morto, vem perdendo muito de suas características. Não é só no Brasil que quase ninguém se preocupa com a criança, é no mundo todo. Por isso, a idéia de exportar os filmes que fazemos.



Fiesta: Quantos filmes você já fez?



Renato: Quinze. Comecei com Jarbas Barbosa, Herbert Richers, Tanko e agora eu mesmo produzo os meus filmes. O último, O REI E OS TRAPALHÕES foi rodado em Marrocos, daí você pode ver a seriedade do nosso trabalho. Tivemos dificuldades incríveis, para rodar o filme. A ordem era dada em três línguas: português, francês e árabe. Mas, tudo bem. Já estou pensando em fazer outro: Os Cinco Samurais, baseado na história dos 7 samurais. Agora, é um investimento muito grande. Em O REI E OS TRAPALHÕES gastamos 10 milhões de cruzeiros e esse dinheiro tem de ser arrecadado aqui no Brasil.



Fiesta: É você mesmo quem faz o roteiro de seus filmes?



Renato: Eu colaborei em todos os roteiros dos filmes que fiz. Agora, os três últimos, que foram produzidos por mim, escrevi a história e os outros colaboraram, foi ao contrário.






Fiesta: E os filmes fazem muito sucesso?



Renato: Todo ano a bilheteria tem aumentado, e como o único termômetro que temos é o da arrecadação, acredito que o nosso sucesso também tem aumentado.



Fiesta: E os filmes do Mazzaropi fazem mais sucesso que os seus?



Renato: Não, quer dizer, não em termos de bilheteria. Desde SIMBAH, O MARUJO TRAPALHÃO os nossos filmes têm eito mais sucesso.



Fiesta: A abertura política influiu de alguma forma em seu trabalho?



Renato: Não, antes nós não tínhamos problemas com a censura, e continuamos a não ter. Embora, nós estejamos, na verdade, vivendo um período de fechadura, pois trabalhamos para a criança e isso nos responsabiliza muito mais. Pra você ter uma idéia, fazendo uma sátira do Super-Homem, eu coloquei prego na boca e nem dei conta do que estava fazendo. O programa foi ao ar e houve o maior rebú, recebi cartas e mais cartas de pais reclamando, dizendo que eu estava dizendo para as crianças comerem prego, entende? A gente tem de ter uma responsabilidade enorme e uma censura também, porque tudo o que dizemos e fazemos vai atingir diretamente a criança.



Fiesta: Você já fez teatro?



Renato: Já fui convidado, mas acho que o público adulto não me aceitaria. Ele está acostumado a me ver fazendo humor para a criança, o que é diferente. A criança não quer ouvir, quer ver, por isso há mais misce-scène, movimento.



Fiesta: OS TRAPALHÕES vai ser exibido também em Portugal, é verdade?



Renato: É verdade. A TV Globo continua a fazer sucesso em Portugal e eles pediram um piloto do meu programa. Fiquei entusiasmado e quis fazer uma montagem, mas disseram que não precisava porque lá eles riam de tudo. Olha, se você quer saber, daqui a pouco, os portugueses vão perder o sotaque e começar a imitar a gente.



Fiesta: Você recebe muitas cartas de crianças? O que elas dizem?



Renato: A maioria pede para eu repetir esse ou aquele quadro, dão sugestões, dizem do que gostaram mais ou não.



Fiesta: Você tem filhos?


Renato: Quatro. Um de colo, um de berço e um que manda em mim. Uma menina de 2 anos, Juliana: um de onze, Renato: um de 17, Ricardo e outro de 19, o Paulo.



Fiesta: Todos da mesma mulher?



Renato: Todos da mesma mulher e primeira namorada. E sou muito família e me preocupo muito com eles. Casei com 24 anos, mas namorava minha mulher desde os 17.



Fiesta: Qual é o segredo?



Renato: É você exigir, mas ceder um pouco também. Todo homem, é claro, precisa de um momento de liberdade, isso é importante. Mesmo porque, com os filhos você já fica mais preso.



Fiesta: A Revista Os Trapalhões é também sua?



Renato: Não, é da Bloch. Nós só recebemos royaltes, o nosso forte mesmo, em termos de rendimento, é cinema, TV, shows.



Fiesta: Quanto rende mais ou menos um filme seu?



Renato: O último que já foi exibido no país todo OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS já rendeu 90 milhões de cruzeiros brutos, mas, é claro, que você desconta o gasto, 10 milhões, e mais os 50 por cento do exibidor. Agora, a minha esperança é conquistar o mercado exterior. Aí, a produção dos filmes poderá ser melhor elaborada, pois não precisaremos economizar aqui e ali. Não se encontra mais comediante para a criança e acredito que, se formos lançados lá fora, faremos sucesso.



Fiesta: E o cinema brasileiro, como ele está?



Renato: O cinema brasileiro está saindo de uma fase chata, que era uma cama, um quarto e um casal. Agora, ele saiu vitorioso dessa fase, não está mais destinado aquela turma de masturbadores. Hoje, o nosso cinema está mais profissional, temos UMA DONA FLOR, de Bruno Barreto, e vários outros exemplos disso.







Fiesta: Qual é a sua religião?



Renato: Sou católico, mas ascendo as minhas velinhas.



Fiesta: Prá alguém em especial?



Renato: É.





Publicado originalmente na revista Fiesta, ano IV, número 44, dezembro de 1979

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